terça-feira, 29 de janeiro de 2013


Parados



Ele chegou na parada de ônibus e a viu. Tinha que falar com ela, era uma oportunidade única. E então começou o diálogo:
-Você vem sempre aqui?
-Fala sério? Esse papo ainda funciona nos dias de hoje?
-Calma, eu só estava querendo puxar assunto, e não queria falar do calor que está fazendo, como todo mundo faz pra puxar assunto.
-Então resolveu perguntar se eu venho sempre aqui nesta parada de ônibus?
-Ok, ficou ridículo, eu sei. Podemos recomeçar?
-Não, não tenho tempo, nem interesse...
-Sem tempo? Mas o próximo ônibus só passa daqui uns 15 minutos.
-Quinze minutos que eu uso pra pensar sobre minha vida ao invés de dar assunto á estranhos...
-E o que você está pensando agora?
-Penso em ir embora á pé...
-Nossa, que dificuldade de te conhecer.
-Eu não converso com estranhos!
-Então como as pessoas deixam de ser estranhas pra você? Como você conheceu quem você conhece hoje?
-Olha amigo, se você não parar, eu serei obrigada a chamar alguém.
-Quem você chamaria? Estamos só nós dois aqui e eu estou tentando manter um diálogo.Porque não usa esses minutos para me falar de sua vida ao invés de só pensar nela. Divida comigo seus pensamentos!
-É preciso de duas pessoas pra haver um diálogo. Você está fazendo um monólogo...
-Não mesmo, porque você está conversando comigo agora...
-Ok, então não direi mais nada!
-Acho meio difícil. Mulheres bonitas costumam falar bastante.
-E os homens feios também. Tentam mostrar inteligência para suprir a falta de beleza exterior. Você é interessante, deve ter alguém na cidade disposto a ouvir seus papos, mas não eu, está bem?
-Viu? Você falou...
-Meus Deus, que chatice! Quer saber, fique aí fazendo seu monólogo, que eu vou embora á pé. Boa noite.
-Espere, não precisa ser assim. Eu fico quieto! Você não precisa caminhar 40 minutos só por isso!
-Como você sabe que levo 40 minutos caminhando até minha casa?
-Sei onde você mora! Já passei lá algumas vezes.
-Você anda me seguindo?
-Não foi o que eu disse! Passei por lá sem querer e vi você. Hoje você está um pouco diferente, mas continua bonita.
-Você me assusta. Vou mesmo á pé!
-Por favor, não vá! Eu paro de falar e fico aqui só te ouvindo, ok?
-Eu não preciso de alguém que me escute! Eu preciso ficar em silêncio e tentar entender o porque ainda estou aqui conversando com você!
-Ok, não quero lhe aborrecer mais.
-Eu sinto muito. Não quis ser rude, mas hoje o meu dia não foi fácil. Além de muito trabalho, ainda vi um acidente que me chocou...
-Pois eu fiquei sabendo, foi a poucas quadras daqui.
-Você disse que ia ficar quieto! Onde estão os ônibus? Estão em greve?
-Calma, devem estar atrasados.
-Ainda acho que deveria ter ido caminhando.
-Como foi o acidente?
-Como?
-O acidente que você falou que viu...
-Bem, na verdade eu não vi. Estava passando quando vi a multidão em torno de um carro, em cima da calçada. Parece que o motorista perdeu o controle e subiu na calçada atropelando uma jovem, que morreu na hora. Foi isso que ouvi alguém comentando, e nada mais.
-Ele teve um ataque do coração, por isso perdeu o controle.
-Quem? O motorista? Como você sabe? Se já sabia, por que me perguntou?
-Eu também ouvi comentários. Ele morreu antes dela. Quando subiu a calçada já estava morto. Acredito que se desse tempo ele teria evitado atropelar a moça.
-Olha amigo, esse papo está me dando arrepios. Vou ligar pro 0800 da empresa de ônibus e perguntar que fim eles levaram...
-Aqui não tem sinal.
-Tem sim! Eu sempre uso o celular aqui. Nossa! Está sem sinal mesmo... Que estranho. Não me faltava mais nada. Estou começando a ficar nervosa e angustiada.
-Isso passa, daqui a pouco você ficará melhor!
-Tem algo estranho. A cidade parece deserta!
-Ele não sabia que ia matar ela...
-O quê? Você ainda está falando disso? Porque você está chorando?
-Não é nada. Eu sinto muito, me perdoa.
-Tudo bem. Pode chorar, mas me explica pelo menos o motivo. Você conhecia a jovem, ou o motorista?
-Mais ou menos. Só me perdoa. Eu não queria te deixar preocupada. Mas não sei como te explicar o que aconteceu...
-Você é mesmo estranho demais! Está aí chorando sem motivo e ainda me pede desculpas. Esse dia está sendo formidável! E pra ajudar nem o ônibus aparece!
-Ele não virá...
-Quem? Como assim não virá? Porque?
-Eu sinto muito. Me desculpe, por favor!
-Pára de chorar assim, está me dando medo. Porque está chorando?
-Porque eu não queria fazer o que fiz! Foi sem querer. Me desculpe, só o que eu te peço!
-Do que está falando? E porque o ônibus não virá?
-Porque mortos não pegam ônibus...


Patrick Prade

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