quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Uma vida



Hoje em dia os seres humanos têm olhos para ver somente o que é lindo por fora, cada um com suas verdades fazendo suas próprias leis julgando, condenando, tirando a vida uns aos outros pela ganância o ouro, a prata, a riqueza crescendo de um dia para o outro pisando humilhando aqueles que plantam e alimentam.
Limpam seus caminhos, suas mansões, tornando escravos aqueles que buscam uma vida melhor para sua família, seus filhos. Os anos passam a velhice chega já cansados doentes abandonados vivem em leitos em algum lugar em uma casa trancada ou perambulando pelas ruas esquecidos pela sociedade pela família... Onde tudo se transforma em lembranças guardadas do passado... Hoje só a tristeza, a dor, o abandono, a solidão de uma vida vivida.

Jari L. Lucas

quinta-feira, 15 de novembro de 2012


Carta Anônima

Chegara cansada, mas feliz, no seu luxuoso apartamento no sexto andar de um dos prédios mais luxuosos de São Paulo, e caro também. Porque o bonito custa caro, embora nem sempre valha mais. O apartamento 603 tinha uma vista maravilhosa nos fins de tarde, quando ela chegou. Cheia de sacolas, abriu a porta e viu o envelope no chão. Largou as sacolas e chamou a empregada para levá-las á sua suíte. Pegou o envelope e entrou no escritório de seu pai. Seu pai era um rico bancário, além de possuir inúmeros imóveis espalhados pela cidade. Seus pais estavam viajando e ela aproveitara para passar o dia fazendo compras e arrumando os últimos detalhes do seu casamento. Noivara cedo, aos 19 anos e agora estava com o casamento marcado para dali á duas semanas. Seu noivo, também jovem e de alta classe viria mais tarde passar a noite com ela, aproveitando a ausência dos pais. Nos outros dias, ia embora antes da meia noite para não gerar fofocas entre a sociedade.
Notou que a carta não tinha remetente e isso a deixou mais curiosa. Serviu um copo de uísque e sentou na poltrona de seu pai para ler a carta. Abriu aflita e começou a ler:

“Querida amiga, venho através desta carta lhe contar algo que me tem tirado o sono e agora não posso mais esconder. Minha intenção não é destruir seu relacionamento, mas sim lhe contar a verdade antes que seja tarde demais. O que vou contar não foi me dito por ninguém, mas visto com meus próprios olhos, e me dói muito ter que ser eu a lhe dar a notícia.
Da janela de meu apartamento, tenho uma vista de alguns bares noturnos que ficam á alguns quarteirões de minha casa. Ganhei de meu pai um binóculo para nossas férias na África, e certa noite estava observando o movimento destes bares, quando vi o carro de seu noivo em uma das ruas. Apesar de não ter visto seu noivo, e apenas o carro, anotei a placa e resolvi conferir nas noites seguintes antes de falar algo sem razão. Nas noites seguintes, ele sempre estava lá. Sinto muito mesmo, mas na terceira noite vi o seu noivo com outra menina. Uma jovem com não mais de 20 anos, provavelmente do subúrbio, pelo modo que se vestia. A cena se repetiu por várias noites: eles chegavam, sentavam em uma mesa, bebiam algumas cervejas e ficavam de beijos e abraços. Em algumas noites eles entravam no carro e se dirigiam para um hotel de quinta categoria que fica na esquina deste bar.
Sinto muito mesmo, peço que acredite no que estou te contando, e se duvidar, investigue. Não posso lhe fornecer o nome do bar nem sua localização porque assim você também descobriria quem sou eu, e não quero que me identifique. Não teria coragem de lhe contar tudo isso pessoalmente. Minha intenção é de lhe ajudar, e não estragar sua vida.
Vou finalizar por aqui. Agora que você sabe a verdade, deixo a decisão em suas mãos, e nunca contarei pra ninguém o que se passou, caso você resolva seguir com esse relacionamento.
Boa sorte.”

Ela não conseguia respirar. Parecia um pesadelo e ela não via a hora de acordar. Tomou todo o uísque em um só gole e se levantou. Tentou imaginar qual de suas amigas teria enviado a carta, tentou lembrar quantas vezes ligou pro namorado depois que ele saia de sua casa e o telefone estava desligado. Tudo ao mesmo tempo passava pela sua cabeça. Encheu outro copo e depois mais um. Juntando as peças logo viu que não seria impossível o que a pessoa da carta afirmava. Embora não quisesse acreditar, a raiva dentro dela fazia crescer a dúvida. Não podia imaginar Ricardo com outra garota! Era torturante. Sempre confiou nele, e não entenderia porque ele procuraria outra pessoa. Ela era bonita, jovem, rica, dava tudo o que ele queria e um pouco mais até. Porque as pessoas traem? Ela se perguntava sem conseguir encontrar a resposta. Onde foi que eu errei?, ela pensava, assim como a maioria das pessoas vítimas de traição, que sempre acham que a culpa é sua, e não da outra pessoa que trocou um relacionamento perfeito por uma aventura.
Faltava pouco para Ricardo chegar. A noite já havia tomado conta da cidade e o ódio já havia tomado conta dela. Não ia deixar assim! Tinha que fazer justiça, ou se vingar, seja lá qual for à diferença. Abriu a gaveta da mesa do pai e encontrou o fundo falso. Ela sabia o que procurava, e encontrou a arma de seu pai. Estava descarregada, mas encontrar as balas não foi difícil. Carregou a arma e guardou-a na gaveta de cima. Ficou ali, se olhando no reflexo do vidro, com a maquiagem escorrendo. Lágrimas negras de um amor traído. A empregada anunciou a chegada de Ricardo e ela ouviu a porta sendo aberta.
- Onde está minha amada Julieta? – Ele perguntou animado para a empregada, e estranhou quando soube que ela se encontrava no escritório.
Entrou e estranhou mais ainda a escuridão. Acendeu a luz e a viu de um jeito como nunca havia visto antes. Parecia que estava diante de outra pessoa. Ela, amarga e cheia de ódio, borrada pela maquiagem e meio embriagada foi direto ao assunto: “Descobri tudo Ricardo!”. Ele, meio assustado e perdido perguntou: “Tudo o que? O que aconteceu meu amor?”. Esse ar de ‘não-sei-o-que-está-acontecendo’ deixou ela com mais raiva ainda. Tanta raiva que pegou a arma da gaveta e apontou para o homem que mais amava no mundo, mais até que o seu próprio pai. O homem que havia dividido seus sonhos e entregara sua pureza, seu tempo e sua vida, não teve tempo de falar mais nada. Foi atingido duas vezes, no coração e na cabeça. A empregada entrara no correndo no escritório e também foi vitima da pontaria perfeita da moça, que praticara tiro ao alvo por insistência de seu pai. “É para sua proteção, é para seu bem!”, ele dizia. Com dois corpos á sua frente, ela encheu mais um copo, acendeu um cigarro e abriu a janela que ocupava quase a parede inteira do escritório. Um forte vento entrou e sacudia as cortinas e seu vestido todo branco, transformando aquele apartamento num cenário de filme noir dos anos 50. Fumou um cigarro sentindo o vento frio no seu corpo, e imaginando as manchetes do outro dia nos jornais sedentos por sangue. “Agora eles tem sangue suficiente para uma semana!” pensou antes de largar o copo vazio e pegar novamente a arma. Apontou para a própria cabeça e sorriu antes de apertar o gatilho e espalhar um pouco mais de sangue no cenário. O vento continuava forte e levou a carta anônima, que dançou pela escuridão da noite antes de repousar no rio que corria alguns quarteirões abaixo daquela cena que nunca seria explicada. Ficou apenas o envelope sem remetente caído no chão, sobre o sangue do casal rico, misturado com o da empregada pobre. O sangue era igual. E o sangue manchou o envelope, ocultando também o destinatário: a moça do apartamento 604, que vai se casar no próximo fim de semana, com um homem infiel.

Patrick Prade